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REALA, número 17, abril de 2022

Sección: ARTÍCULOS

Recibido: 14-02-2022

Aceptado: 04-03-2022

Publicado: 07-04-2022

DOI: https://doi.org/10.24965/reala.i17.11045

Páginas: 56-77

O relevo dos municípios no Programa de Recuperação e Resiliência em Portugal1

The importance of municipalities in the Recovery and Resilience Program in Portugal

Fernanda Paula Oliveira

Univ Coimbra (Portugal)

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8021-7020

fpaula@fd.uc.pt

NOTA BIOGRÁFICA

Fernanda Paula Oliveira es Profesora Asociada de la Facultad de Derecho de la Universidad de Coímbra desde 1991, donde enseña, entre otros, Derecho Administrativo, Derecho de Ordenación del Territorio y Derecho de Urbanismo y también se ha dedicado al estudio de las autoridades locales.

RESUMEN

Este texto tiene como objetivo evaluar el papel que juegan los municipios portugueses en el Programa de Recuperación y Resiliencia, en tres dimensiones: (i) en la definición e identificación de reformas e inversiones a realizar; (ii) en la ejecución de dichas inversiones, es decir, como beneficiarios de las mismas, y, finalmente (iii) en la gestión/gobernanza de este mecanismo. Este tema cobra sentido si tenemos en cuenta la configuración de los municipios en el marco constitucional y legal portugués y el reconocimiento expreso de su importancia política, administrativa y jurídica, como lo demuestra el proceso de descentralización que tuvo lugar en Portugal en los últimos tres años. No obstante, esta importancia, lo cierto es que la conclusión a la que hemos llegado es que el PRR portugués traduce una visión y una gestión totalmente centralizada. De hecho, en contra del proceso de descentralización administrativa en curso y en contra del objetivo estratégico de aumentar el peso de la Administración Local en los ingresos públicos, la PRR es centralizado, tanto en su gestión como en las prioridades de intervención seleccionadas.

PALABRAS CLAVE

Municipios; descentralización administrativa; Plan portugués de Recuperación y Resiliencia (PRR).

ABSTRACT

This text aims to assess the role that municipalities play in the Portuguese Recovery and Resilience Program (PRR), in three dimensions: (i) in the definition and identification of reforms and investments to be made; (ii) in the execution of such investments, namely as beneficiaries thereof, and, finally (iii) in the management/governance of this mechanism. This theme makes sense if we bear in mind the configuration of municipalities in the Portuguese constitutional and legal framework and the express recognition of their political, administrative, and legal importance, as evidenced by the decentralization process that took place in Portugal in the last three years. Notwithstanding this importance, the truth is that the conclusion we have reached is that the Portuguese PRR translates a centralized vision and management. In fact, going against the ongoing process of administrative decentralization and against the strategic objective of increasing the weight of Local Administration in public revenues, the PRR is centralized, both in its management and in the selected intervention priorities.

KEYWORDS

Municipalities; administrative decentralization; Portuguese Recovery and Resilience Plan (RRP).

SUMARIO

NOTAS INTRODUTÓRIAS. 1. OS MUNICÍPIOS NA ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA PORTUGUESA. 1.1. ESTADO UNITÁRIO VERSUS ESTADO DESCENTRALIZADO. 1.2. POLIARQUIAS COM ATRIBUIÇÕES. 2. O PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO E RESILIÊNCIA PORTUGUÊS. 2.1. O PPR NO ÂMBITO DO MECANISMO DE RECUPERAÇÃO E RESILIÊNCIA DA UNIÃO EUROPEIA (MRR). 2.2. O PRR: AS SUAS DIMENSÕES, REFORMAS E INVESTIMENTOS. 3. O PAPEL DOS MUNICÍPIOS NO PRR. 3.1. O PAPEL DOS MUNICÍPIOS NA DEFINIÇÃO E NA GESTÃO DO PRR. 3.2. O PAPEL DOS MUNICÍPIOS NA EXECUÇÃO DOS INVESTIMENTO PREVISTOS NO PRR. CONCLUSÃO. ANEXO. DIMENSÕES/COMPONENTES/REFORMAS E INVESTIMENTOS DO PRR. BIBLIOGRAFÍA CITADA.

NOTAS INTRODUTÓRIAS

Como é sabido, no âmbito da União Europeia foi defendida a ideia de que o sucesso dos esforços de superação e de mitigação das severas consequências provocadas pela pandemia associada ao vírus SARS-CoV-2 dependia de uma atuação coletiva e concertada entre os diferentes Estados-Membros, tendo sido acordado no Conselho Europeu, com este objetivo, em julho de 2020, o Instrumento de Recuperação Europeu (Next Generation EU)2 o qual, por sua vez, prevê o Mecanismo de Recuperação e Resiliência para o período 2021-2026 [Regulamento (UE) 2021/241 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de fevereiro de 2021].

Este Mecanismo disponibiliza à volta 723,8 mil milhões de euros, sob a forma de empréstimos (385,8 mil milhões de euros) e de subvenções (338,8 mil milhões de euros) para apoiar as reformas e os investimentos efetuados pelos Estados-Membros, com o objetivo de atenuar o impacto económico e social da pandemia e tornar as economias e sociedades europeias «mais sustentáveis, resilientes e mais bem preparadas para enfrentarem os desafios e as oportunidades resultantes das transições ecológica e digital».

Para poderem beneficiar do apoio a conceder ao abrigo deste Mecanismo, os Estados-Membros tiveram de apresentar à Comissão Europeia Planos de Recuperação e Resiliência com a definição de medidas para a implementação de reformas e investimentos a executar até ao final de 2026, medidas essas que devem estar alinhadas com os objetivos do Semestre Europeu e com as Recomendações Específicas por país que dali decorrem.

Foi, precisamente, com este enquadramento que foi elaborado o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) português.

O presente texto pretende avaliar o papel que os municípios portugueses assumiram e assumem no Programa de Recuperação e Resiliência, em três dimensões: (i) na definição e identificação das reformas e investimentos a efetuar; (ii) na execução de tais investimentos, designadamente como beneficiários dos mesmos, e, por fim (iii) na gestão/ governação deste mecanismo.

Esta temática faz todo o sentido se tivermos presente a configuração dos municípios no quadro constitucional e legal português e o expresso reconhecimento da sua importância política, administrativa e jurídica comprovada pelo processo de descentralização ocorrido em Portugal nos últimos três anos.

Com efeito, considerando as atribuições conferidas aos municípios no quadro da organização administrativa portuguesa (as quais foram reforçadas com o processo de descentralização que teve o seu pontapé de saída com Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto) e tendo presentes as dimensões, as respetivas componentes e os correspetivos investimentos previstos no PRR, pareceria, a uma primeira vista, existir um claro e relevante papel dos municípios a este propósito.

É esta perceção inicial que pretendemos confirmar ou infirmar com o presente texto, o qual percorrerá o seguinte roteiro: (1) os municípios na organização administrativa portuguesa; (2) o Plano de Recuperação e Resiliência português; (3) o papel dos municípios na configuração, execução e governação do Plano de Recuperação e Resiliência.

1. OS MUNICÍPIOS NA ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA PORTUGUESA

1.1. Estado unitário versus Estado descentralizado

O Estado Português é unitário, existindo uma única soberania e um único poder constituinte. Portugal não é, porém, um Estado centralizado, no sentido de que as atribuições administrativas não lhe estão todas cometidas, não havendo um único centro de poder, antes existindo outras pessoas coletivas às quais são atribuídas funções administrativas. Por isso, a Constituição da República Portuguesa (CRP), na sua redação atual, prevê que o «Estado é unitário e respeita na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular e os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública» (artigo 6.º, n.º 1) e que «a lei estabelecerá adequadas formas de descentralização e desconcentração administrativas, sem prejuízo da necessária eficácia e unidade de ação da Administração» (artigo 267.º, n.º 2) 3.

É assim que, logo após anunciar essa unidade do Estado, o legislador constituinte impõe o respeito pelo regime autonómico insular e pelos princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática (artigo 6.º). Daí que António Cândido Oliveira saliente que «o princípio da autonomia das autarquias locais não aparece na CRP isolado e antes é acompanhado pelos princípios da subsidiariedade e da descentralização democrática da Administração Pública…»4.

Desta forma, a organização democrática do Estado compreende obrigatoriamente a existência de autarquias locais (cfr. artigo 235.º da CRP), impondo o princípio da subsidiariedade que deverá ser realizado por estas o que elas puderem fazer ou fazer melhor5, o que significa que «o Estado democrático é um Estado de autarquias locais de tal modo que sem elas não teríamos uma democracia»6. Como ensina Jorge Miranda, «mais do que uma garantia institucional da existência de autarquias locais, os princípios acabados de evocar envolvem a garantia da prossecução dos interesses locais pelas autarquias locais, a necessidade da correspondência (embora não exclusiva) entre descentralização territorial e poder local. Mais do que em descentralização administrativa justifica-se falar em descentralização autárquica»7.

A descentralização opera, portanto, ao lado da unidade do Estado, na medida em que confere aos entes descentralizados a devida autonomia, uma decorrência, aliás, do princípio democrático, como assinala Baptista Machado8.

Isto implica a existência de uma autonomia suficiente para acolher a existência de órgãos de governo próprio, sendo uma autonomia política, mas, em particular, uma «autonomia administrativa, que resulta de atribuições e competências próprias, distintas das da Administração central; uma autonomia político-económica, decorrente da autonomia patrimonial e financeira; e, por fim, uma autonomia de tipo decisório»9. Assim se reconhece a verdadeira descentralização10.

Para o efeito, revela-se absolutamente decisivo o reconhecimento da autonomia local11, como princípio estruturante da organização político-administrativa do Estado português, previsto no artigo 6.º da CRP e no artigo 3.º, n.º 1 da Carta Europeia de Autonomia Local, de 198512. Apesar da sua fórmula pleonástica13 e de ser tomada como sinónimo de autonomia das autarquias locais, podemos percecioná-la14, sobretudo, como o direito e a capacidade efetiva das autarquias prosseguirem livremente a realização das suas atribuições através dos seus próprios órgãos e sob a sua inteira responsabilidade15, o que nos leva a chamar a atenção para a Jurisprudência do Tribunal Constitucional português, de onde se retira que as autarquias locais integram a administração autónoma, existindo entre elas e o Estado uma relação de supraordenação-infraordenação, dirigida à coordenação de interesses distintos (nacionais, por um lado, e locais, por outro), e não uma relação de supremacia-subordinação dirigida à realização de um único interesse, designadamente o interesse nacional16, concluindo-se que a Constituição da República Portuguesa «acolheu o conceito de autonomia local no sentido de autonomia das autarquias locais, ligando-o à democracia local, através da noção que delas dá no artigo 235.º»17, o que passa, necessariamente, pela garantia da prossecução dos interesses locais pelas autarquias.

Resumindo, a importância do princípio da autonomia local é irrecusável na organização administrativa e democrática do Estado (cfr. artigo 6.º da CRP), merecendo respeito de todos, inclusive do Estado-Legislador, sendo certo que o conceito forte e clássico de autonomia local, embora adaptado aos «nossos tempos», é ainda aquele que está subjacente ao entendimento do Tribunal Constitucional, nos vários arestos em que este tribunal tem abordado, direta ou indiretamente, a matéria. Assim, aproveitando a síntese efetuada por Artur Maurício sobre a jurisprudência relativa à garantia da autonomia local, consideramos que o entendimento do Tribunal Constitucional sobre a autonomia do poder local tem sido estável, «sendo essencialmente concebida como uma garantia organizativa e de competências, reconhecendo-se as autarquias locais como uma estrutura do poder político democrático e com um círculo de interesses próprios que elas devem gerir sob a sua própria responsabilidade»18. Daí que as autarquias locais possuam um «conjunto de poderes constitucionalmente garantidos», tais como «o poder de dispor de órgãos próprios eleitos democraticamente; o poder de dispor de património e finanças próprias; o poder de dispor de um quadro de pessoal próprio; o poder regulamentar próprio; o de exercer sob responsabilidade própria um conjunto de tarefas adequadas à satisfação dos interesses próprios das populações respetivas», que «garante à administração local uma situação de não submissão em relação à administração do Estado»19.

A República portuguesa é, assim, um Estado de direito democrático unitário que está baseado na soberania popular e no pluralismo de expressão e organização política democráticas, que respeita na sua organização e funcionamento a autonomia das autarquias locais (cfr. artigos 1.º, 2.º e 6.º da CRP), tendo como elementos base da sua organização administrativa20 as pessoas coletivas públicas, em especial, as pessoas coletivas públicas primárias, de base territorial (pessoas coletivas públicas por natureza), como o Estado, as Regiões Autónomas e as Autarquias Locais, o que permite qualificar a Administração Pública portuguesa «como policêntrica e funcionalmente descentralizada e desconcentrada»21.

Tendo em conta estes princípios da organização administrativa, em especial, os princípios da descentralização em sentido próprio, da subsidiariedade e da autonomia local, o artigo 236.º da CRP estabelece que, no território continental, são Autarquias Locais as freguesias, os municípios e as regiões administrativas22, enquanto que nas Regiões Autónomas apenas são autarquias as duas primeiras, sem prejuízo de nas grandes áreas urbanas e nas ilhas poderem ser estabelecidas outras formas de organização territorial autárquicas.

Em conclusão, as autarquias locais aparecem configuradas, no texto constitucional, como a expressão mais pura do pluralismo de organização democrática do Estado, assumindo-se assim como formas de descentralização territorial, quer do poder político quer do poder administrativo, assumindo especial importância os municípios, pela sua dimensão, estrutura, recursos e atribuições.

1.2. Poliarquias com atribuições

As autarquias locais são, portanto, «formas de organização personificada de comunidades de residentes em determinada circunscrição do território nacional, sendo dotadas de poderes próprios autónomos para a prossecução de interesses públicos das respetivas comunidades; poderes esses que são exercidos através de órgãos representativos cujos titulares são eleitos por sufrágio universal, direto e secreto da população respetiva, sendo, por isso, dotados de legitimidade democrática»23.

Concretiza-se, dessa forma, o referido princípio constitucional da descentralização administrativa24 (consagrado nos artigos 6.º, n.º 1, 267.º, n.º 2, e 235.º e segs. da CRP), possuindo atualmente as autarquias locais um campo de atuação que cobre praticamente todos os domínios relevantes da organização da vida económica, social e cultural.

A significativa abrangência das suas tarefas e a maior proximidade com os cidadãos transforma a autarquia local (em especial o município) no «mais importante agente público de promoção e salvaguarda do desenvolvimento económico, social e cultural do território português, bem como na mais importante e respeitada estrutura do poder político»25.

É a lei que há de regular «as atribuições e a organização das autarquias locais, bem como a competência dos seus órgãos» (cfr. artigo 237.º da Constituição), garantindo, dessa forma, a autonomia local; as atribuições das autarquias locais não serão mais do que «quotas de poder político»26 que resultam da identificação, pelo legislador, de um conjunto de interesses eminentemente locais. Ora, o legislador pode mostrar-se apto na tarefa de identificação de alguns ou de muitos desses interesses locais, mas, seguramente, não (nunca) de todos. Em consequência, a melhor fórmula de preservação da autonomia local é que aquela que se consubstancia em cláusula aberta, indeterminada, moldável, por isso, às exigências de cada tempo e às necessidades das populações locais. Foi essa, de resto, a opção do legislador constitucional, quando, no n.º 2 do artigo 235.º, previu que «as autarquias locais são pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das respetivas populações»), constituindo, assim, verdadeira administração autónoma e, mais, «estruturas do poder político», como aliás resulta da localização constitucional desta matéria do Poder Local27. As autarquias locais têm, pois, também, uma dimensão política, dado que são elas próprias quem definem a política administrativa a seguir, pelo que são verdadeiras poliarquias. Por isso a sua orientação pode divergir da do Estado, e até contrastar com ela, quando não haja correspondência de maioria na comunidade estatal e nos entes territoriais.

Neste sentido, também o legislador da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro (que estabelece o regime jurídico das autarquias locais28) adotou uma cláusula aberta ao dispor que «constituem atribuições do município a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações, em articulação com a freguesia» (cfr. n.º 1 do artigo 23.º), identificando, de seguida, no n.º 2, as atribuições que, naquele momento, identificou como interesses locais, ainda que sem pretensão de as esgotar, como resulta da expressão «designadamente» que o legislador aí utilizou. Significa, pois, que outras atribuições podem surgir em legislação avulsa, ou, até, de forma «natural», se se estiver em presença de uma tarefa que resulta da identificação de um interesse local29, seja de natureza executiva, deliberativa ou de participação; e se tal tarefa não estiver já expressamente a cargo de outra entidade administrativa30.

Em suma, os municípios, enquanto autarquias locais, conhecem uma ampla capacidade de auto orientação e auto administração na identificação e satisfação das necessidades coletivas das respetivas populações (cfr. n.º 1 do artigo 3.º da CEAL), embora as correspetivas atribuições devam ser definidas pelo legislador, que, no entanto, terá de respeitar os princípios constitucionais aqui referidos, em particular o princípio da subsidiariedade, que, como já evidenciado, implica que deverá ser realizado pelas autarquias o que elas puderem fazer ou puderem fazer melhor, ou seja, o Estado só deverá desempenhar as tarefas que, por razões de escala, as autarquias, individualmente ou em cooperação, não possam assumir sem perdas de eficiência e de eficácia.

Tendo em conta estes ditames constitucionais, atualmente as principais atribuições municipais encontram-se identificadas no artigo 23.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro (Regime Jurídico das Autarquias Locais), sem prejuízo do disposto em muitas outras leis avulsas; assim, o legislador identificou, a título meramente exemplificativo, as seguintes atribuições: (i) Equipamento Rural e Urbano; (ii) Energia; (iii) Transportes e Comunicações; (iv) Educação, Ensino e Formação Profissional; (v) Património, Cultura e Ciência; (vi) Tempos Livres e Desporto; (vii) Saúde; (viii) Ação Social; (ix) Habitação; (x) Proteção Civil; (xi) Ambiente e Saneamento Básico; (xii) Defesa do Consumidor; (xiii) Promoção do Desenvolvimento; (xiv) Ordenamento do Território e Urbanismo; (xv) Polícia Municipal; (xvi) Cooperação Externa.

Mais recentemente, com a Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto, que estabelece «o quadro da transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais, concretizando os princípios da subsidiariedade, da descentralização administrativa e da autonomia do poder local», aquelas atribuições dos municípios foram alargadas a outros domínios31, ficando a sua concretização, isto é, a transferência das novas competências, a sua natureza e afetação de recursos dependentes da publicação de «diplomas legais de âmbito setorial relativos às diversas áreas a descentralizar da administração direta e indireta do Estado»32.

Esta transferência de competências33 revela-se bastante transversal e abrange vários domínios34, como a educação (artigo 11.º) – concretizada pelo Decreto-Lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro (na sua redação atual); a ação social (artigo 12.º) – concretizada pelo Decreto-Lei n.º 55/2020, de 12 de agosto35; a saúde (artigo 13.º) – concretizada pelo Decreto-Lei n.º 23/2019, de 30 de janeiro (na sua redação atual); a proteção civil (artigo 14.º) – concretizada pelo Decreto-Lei n.º 44/2019, de 1 de abril; a cultura (artigo 15.º) – concretizada pelo Decreto-Lei n.º 22/2019, de 30 de janeiro; o património (artigo 16.º) – concretizada pelo Decreto-Lei n.º 106/2018, de 29 de novembro; a habitação (artigo 17.º) – concretizada pelo Decreto-Lei n.º 105/2018, de 29 de novembro; as áreas portuário-marítimas (artigo 18.º) – concretizada pelo Decreto-Lei n.º 72/2019, de 28 de maio; as praias (artigo 19.º) – concretizada pelo Decreto-Lei n.º 97/2018, de 27 de novembro; a informação cadastral, a gestão florestal e as áreas protegidas (artigo 20.º) – concretizada pelo Decreto-Lei n.º 116/2019, de 21 de agosto; os transportes e vias de comunicação (artigo 21.º) – concretizada pelo Decreto-Lei n.º 100/2018, de 28 de novembro36 e pelo Decreto-Lei n.º 58/2019, de 30 de abril37; as estruturas de atendimento ao cidadão (artigo 22.º) – concretizada pelo Decreto-Lei n.º 104/2018, de 29 de novembro; o policiamento de proximidade (artigo 23.º) – concretizada pelo Decreto-Lei n.º 32/2019, de 4 de março; a proteção e a saúde animal (artigo 24.º) e a segurança dos alimentos (artigo 25.º) – concretizadas pelo Decreto-Lei n.º 20/2019, de 30 de janeiro38; a segurança contra incêndios (artigo 26.º) – concretizada pela Lei n.º 123/2019, de 18 de outubro39; o estacionamento público (artigo 27.º) – concretizada pelo Decreto-Lei n.º 107/2018, de 29 de novembro; e os jogos de fortuna e azar (artigo 28.º) – concretizada pelo Decreto-Lei n.º 98/2018, de 27 de novembro.

É partindo desta realidade –e do amplo leque de responsabilidades que são reconhecidas aos municípios no ordenamento jurídico português– que importa agora analisar o PRR e o conjunto de medidas (reformas e investimentos) nele previstos de forma a aferir se (e em que medida) se justifica que os municípios possam ter tido ou vir a ter, no seu âmbito, um papel relevante. É sobre este aspeto que nos debruçaremos nas linhas seguintes.

2. O PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO E RESILIÊNCIA PORTUGUÊS

2.1. O PPR no âmbito do Mecanismo de Recuperação e resiliência da União Europeia (MRR)

Como referimos, o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) português tem enquadramento no MRR, mecanismo que disponibiliza aos Estados-Membros cerca de 723,8 mil milhões para apoiar as reformas e os investimentos destinados a atenuar o impacto económico e social da pandemia e a tornar as economias e sociedades europeias mais sustentáveis, resilientes e mais bem preparadas para enfrentarem os desafios e as oportunidades resultantes das transições ecológica e digital.

Este Mecanismo prevê o apoio a medidas (reformas e investimentos) que remetam para domínios de intervenção de importância europeia estruturados em seis pilares:

  1. 1.º O pilar da transição ecológica, exigindo reformas e investimentos em tecnologias e capacidades ecológicas, nomeadamente na biodiversidade, na eficiência energética, na renovação dos edifícios e na economia circular, contribuindo, ao mesmo tempo, para as metas da União em matéria de clima, promovendo o crescimento sustentável, criando postos de trabalho e preservando a segurança energética.
  2. 2.º O pilar da transformação digital, exigindo reformas e investimentos destinados, em especial, a promover a digitalização dos serviços, o desenvolvimento das infraestruturas digitais e de dados, polos e plataformas de inovação digital e soluções digitais abertas, devendo a transição digital incentivar a digitalização das pequenas e médias empresas (PME)40.
  3. 3.º O pilar do crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, incluindo a coesão económica, o emprego, a produtividade, a competitividade, a investigação, o desenvolvimento e a inovação, e um mercado interno em bom funcionamento com PMEs fortes, exigindo reformas e investimentos com o objetivo de aumentar o potencial de crescimento e permitir uma recuperação sustentável da economia da União, devendo ainda promover o empreendedorismo, a economia social, o desenvolvimento das infraestruturas e transportes sustentáveis e a industrialização e reindustrialização, assim como mitigar o impacto da crise da COVID-19 na economia.
  4. 4.º O pilar da coesão social e territorial, com previsão de reformas e de investimentos que contribuam para lutar contra a pobreza e o desemprego, conduzindo à criação de postos de trabalho de elevada qualidade e estáveis e à inclusão e integração dos grupos desfavorecidos, e permitindo o reforço do diálogo social, das infraestruturas e dos serviços sociais, bem como da proteção social e dos sistemas de segurança social.
  5. 5.º O pilar da saúde e da resiliência económica, social e institucional, tendo em vista, nomeadamente, o aumento da preparação para situações de crise e da capacidade de resposta às mesmas, exigindo reformas e investimentos com o objetivo, nomeadamente, de aumentar a preparação e a capacidade de resposta a situações de crise e, em especial, melhorando a continuidade das atividades e dos serviços públicos, a acessibilidade e a capacidade dos sistemas de saúde e de prestação de cuidados, a eficácia da administração pública e dos sistemas nacionais, incluindo a minimização dos encargos administrativos e a eficácia dos sistemas judiciais, bem como a prevenção da fraude e a supervisão em matéria de branqueamento de capitais.
  6. 6.º O pilar das políticas para a próxima geração, as crianças e os jovens, exigindo reformas e investimentos destinados a promover a educação e as competências, nomeadamente digitais, o aperfeiçoamento, a reconversão e a requalificação da mão de obra ativa, os programas de integração para desempregados, as políticas de investimento nas possibilidades de acesso e nas oportunidades para crianças e jovens em articulação com a educação, a saúde, a nutrição, o emprego e a habitação, assim como políticas que colmatem o fosso geracional, em sintonia com os objetivos da Garantia para a Infância e da Garantia para a Juventude.

As medidas referidas a cada um destes pilares e apoiadas pelo Mecanismo foram incluídas nos Planos de Recuperação e Resiliência de cada Estado-Membro, importando identificar as que foram introduzidas no PRR elaborado por Portugal.

2.2. O PRR: as suas dimensões, reformas e investimentos

De forma a dar resposta às exigências do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, o PRR encontra-se estruturado em 3 grandes «dimensões» (isto é, eixos estratégicos) –a dimensão Resiliência, a dimensão Transição Climática e a dimensão Transição Digital–, identificando, este documento, para cada uma delas, reformas e investimentos que devem ser concretizados até 2026 41.

Estas dimensões são concretizadas através de 19 Componentes (que integram por sua vez 36 Reformas e 77 Investimentos):

Tabla 1. Dimensões do PRR português

Dimensões

Resiliência

Transição climática

Transição Digital

Componentes

C1. Saúde

C2. Habitação

C3. Respostas Sociais

C4. Cultura

C5. Capitalização e Inovação Empresarial

C6. Qualificações e Competências

C7. infraestruturas

C8. Florestas

C9. Gestão Hídrica

C10. Mar

C11. Descarbonização da Indústria

C12. Bioeconomia Sustentável

C13. Eficiência Energética em Edifícios

C14. Hidrogénio e Renováveis

C15. Mobilidade Sustentável

C16. Empresas 4.0

C17. Qualidade e Sustenta-bilidade das Finanças Públicas

C18. Justiça Económica e Ambiente de Negócios

C19. Administração Pública – Capacitação, Digitalização e Interoperabilidade e Ciberse-gurança

C20. Escola Digital

Fuente: PRR Português.

Uma primeira evidência que resulta deste leque de medidas é o claro alinhamento de uma grande parte das componentes identificadas para cada uma das Dimensões do PRR com as atribuições próprias dos municípios, seja as atribuições mais tradicionais seja aquelas que lhes foram transferidas no âmbito do processo de descentralização administrativa iniciado em 2018 com a lei-quadro da descentralização administrativa.

É o caso, no que concerne à Dimensão Resiliência, das componentes relativas à saúde, à habitação, às respostas sociais, à cultura, às infraestruturas, à floresta e à gestão hídrica. E é o caso, no diz respeito à Dimensão Transição Climática, das componentes eficiência energética em edifícios e da mobilidade sustentável.

Já não estritamente relacionadas com as atribuições próprias dos municípios, mas com um impacto relevante na atuação destas entidades, permitindo uma maior eficácia e eficiência na gestão dos interesses próprios das respetivas populações, é a componente integrada na Dimensão Transição Digital referente à capacitação e digitalização da Administração Pública.

De um modo geral pode afirmar-se que a estratégia apresentada no PRR abarca algumas das principais preocupações dos municípios, recuperando prioridades fundamentais para o país que têm vindo a ser desvalorizadas e negligenciadas em termos de financiamento. É o caso, a título de exemplo, dos investimentos em infraestruturas fundamentais para os territórios, nomeadamente de transportes e ambientais; dos investimentos na energia; na aposta na transição digital bem como na qualificação da Administração Pública. E é o caso, também, da reabilitação e reconversão do edificado público devoluto, designadamente para o cumprimento de políticas públicas na área da habitação e da aposta na mobilidade urbana sustentável e nas cidades mais verdes, ao nível dos veículos elétricos e de mobilidade suave, bem como do alargamento de espaços verdes nas cidades.

Seria, por isso, expectável que os municípios tivessem tido um papel substancial (isto é, uma participação ativa e relevante) na definição da estratégia subjacente ao PRR, (isto é, na seleção/definição das reformas e dos investimentos que nele foram incluídos); e seria expectável que estas mesmas entidades tivessem um idêntico papel na gestão e na concretização dos investimentos previstos, reforçando-se, desta forma, a descentralização administrativa constitucionalmente consagrada e acima visitada. Importa, porém, averiguar se tal aconteceu efetivamente.

3. O PAPEL DOS MUNICÍPIOS NA CONFIGURAÇÃO, EXECUÇÃO E GOVERNAÇÃO DO PRR

3.1. O papel dos municípios na configuração e na gestão do PRR

i) Uma primeira constatação, ao analisar o procedimento relativo à elaboração do PRR, é a de que os municípios não tiveram qualquer intervenção relevante na definição da estratégia que lhe está subjacente, isto é, na identificação das reformas e dos correspetivos investimentos a integrar no referido Plano.

O que se constata, quando se analisa tal procedimento, é que os municípios –individualmente ou através da Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP)– apenas foram chamados a participar aquando da respetiva discussão púbica (que ocorreu entre 15 de fevereiro e 1 de março de 2021), assumindo, nesta sede, um papel idêntico ao de qualquer cidadão, empresa ou outro qualquer interessado a quem foi dada a possibilidade de também aí participar.

De facto, o que se constata é que o PRR foi decidido de forma centralizada, o que dificilmente se compreende num momento, como o atual, em que se vêm reforçadas as atribuições (e, por isso, as responsabilidades) dos municípios e, com isso, se vem reconhecendo o enorme papel que eles desempenham em matérias para as quais o PRR pode vir a contribuir decisivamente.

No concerne à discussão pública e à participação que os municípios tiveram nesse âmbito –aspetos que importaria analisar para que se pudesse ter uma perceção clara daqueles que, no entender destas entidades, seriam os domínios estratégicos e as áreas que mereceriam um maior relevo e apoio no PRR–, não conseguimos encontrar dados/elementos nem sobre o conteúdo das respetivas pronúncias nem sobre a ponderação que tais pronúncias mereceram por parte do Governo, a não ser o que resulta do próprio documento elaborado por este.

Veja-se, desde logo, a imagem que consta da Figura 37 do referido documento43 (contributos da consulta pública, por tipo de entidade), onde apenas é feita uma referência genérica à categoria Poder local e outras entidades do Território, sem que exista uma qualquer menção «desagregada» aos municípios, não sendo, por isso, possível identificar quantos (e quais) aqueles que participaram na referida discussão pública e o que nessa sede defenderam.

Figura 1. Contributos da consulta pública, por tipo de entidade

Figura 1. Contributos da consulta pública, por tipo de entidade

Fonte: PRR, figura 37, p. 240.

Refira-se que, em paralelo à consulta pública, «o Governo lançou uma agenda de consultas a diversos atores relevantes na sociedade portuguesa, de modo a garantir a auscultação mais vasta e abrangente de todos os setores da sociedade» (p. 238 do PRR); porém, nesse leque de entidades não constam nem os municípios nem a Associação Nacional de Municípios (ainda que esta tenha emitido parecer sobre o PRR). A auscultação desta associação foi apenas indireta, por terem sido consultadas entidades que integram representantes da ANMP: é o caso do Conselho de Concertação Territorial, do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, do Conselho Nacional da Economia Social, do Conselho Nacional de Saúde, do Conselho Coordenador do Ensino Superior, do Conselho Nacional de Educação e do Conselho de Escolas.

Tiveram ainda alguns municípios (bem como a Associação Nacional de Municípios Portugueses) intervenções pontuais, enquanto entidades convidadas num ciclo de seminários temáticos que o Governo promoveu sobre as diversas componentes do PRR44.

E se bem que seja expressamente referido, no próprio documento elaborado pelo Governo português, que todos estes contributos ficariam disponíveis integralmente no respetivo portal e num relatório que sistematiza a respetiva análise, a verdade é que não conseguimos encontrar tal informação por muito que a tivéssemos procurado. A única informação que obtivemos, e que é referida no próprio PRR, é que:

«Tendo em consideração os contributos recebidos através do portal da consulta pública e ainda os debates realizados através dos webinars, o Governo ponderou e resolveu ajustar o Plano nos seguintes aspetos: a) Criar uma nova Componente direcionada para a Cultura que autonomizará os apoios do PRR orientados para este setor particularmente afetado pela pandemia, no sentido de promover a aceleração da digitalização do setor e a recuperação do património como catalisador da promoção do turismo e de valorização do território e da identidade nacional; b) Criar uma nova Componente direcionada para a Economia do Mar que autonomizará os apoios do PRR orientados para este recurso, contendo diversas iniciativas destinadas a fortalecer a clusterização das atividades em torno do potencial de desenvolvimento da economia marítima e pescas, seja ao nível da investigação e inovação, formação profissional, transição verde e digital e segurança; c) Incluir na Componente C1. Saúde investimento destinado à promoção da atividade física e desportiva como fator da vida saudável e de melhor saúde para a população em todos os escalões etários.».

ii) No que concerne à gestão do PRR, o Decreto-Lei n.º 29-B/2021, de 4 de maio veio estabelecer o modelo de governação dos fundos europeus atribuídos a Portugal através do Plano de Recuperação e Resiliência, bem como a estrutura orgânica relativa ao exercício das competências de gestão estratégica e operacional, acompanhamento, monitorização/avaliação, controlo, auditoria, financiamento, circuitos financeiros e sistema de informação de reporte e transmissão de dados à Comissão Europeia.

Trata-se de um modelo de governação autónomo, desenvolvido em articulação com a programação do Acordo de Parceria e dos respetivos Programas Operacionais, materializando-se, assim, numa tentativa de opção de um modelo de governação mais ágil, eficaz e transparente dos fundos europeus a atribuir a Portugal para concretizar o seu PRR comparativamente com o modelo de governação dos fundos europeus estruturais e de investimento positivado no Decreto-Lei n.º 137/2014, de 12 de setembro.

Esse modelo assenta em vários níveis de governação, à semelhança do modelo de governação dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento: existe um nível de coordenação política [assegurado pela Comissão Interministerial do PRR (artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 29-B/2021, de 4 de maio)], um nível de acompanhamento [assegurado pela Comissão Nacional de Acompanhamento (artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 29-B/202)], um nível de auditoria e controlo [assegurado, não pela Estrutura Segregada de Auditoria, mas por uma Comissão de Auditoria e Controlo (artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 29-B/2021)] e, por último, por um nível de coordenação técnica e de monitorização, assegurado por três entidades: (i) a estrutura de missão «Recuperar Portugal»; (ii) a Agência de Desenvolvimento e Coesão, I.P. (Agência, I.P.) e (iii) o Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais do Ministério das Finanças (GPEARI)45.

Estando em causa a governação de fundos europeus (neste caso, os atribuídos a Portugal através do Plano de Recuperação e Resiliência), pode justificar-se um maior relevo dado à Administração central do Estado nos vários níveis de gestão. Porém, não está prevista qualquer intervenção direta dos municípios; apenas se prevê, de forma indireta, a integração da Associação Nacional de Municípios na Comissão de Acompanhamento, pelo facto de dois membros do conselho diretivo desta Associação integrarem o Conselho de Concertação Territorial e o Decreto-Lei n.º 29-B/2021 prever que os membros não governamentais deste Conselho têm assento na referida Comissão Acompanhamento46.

iii) Considerando o que referimos nas páginas precedentes, não podemos deixar de concluir que o PRR traduz uma visão centralizadora e uma gestão totalmente centralizada.

De facto, rumando contra o processo de descentralização administrativa em curso e contra o objetivo estratégico de aumentar do peso da Administração Local nas receitas públicas, o PRR é centralizado, tanto na sua gestão como nas prioridades de intervenção selecionadas.

Não é, de facto, aceitável, considerando o relevo administrativo e político do municípios, que eles e as suas Associações estejam, por um lado, arredados da gestão dos PRR, desperdiçando-se a sua experiência, capacitação e reconhecimento ao nível dos modelos e sistemas de gestão e controlo dos fundos comunitários, como também no processo de transferência de competências.

Por outro lado, as principais áreas de intervenção municipal estão ausentes. Com efeito o PRR praticamente ignora temas como o abastecimento de água, saneamento e resíduos; os transportes públicos promovidos pelas autarquias; estruturas de proteção civil nos meios de combate a incêndios florestais, etc., o que parece decorrer do facto de, como foi referido, a definição da estratégia, das reformas e dos investimentos a integrar no PRR terem sido decididos quase exclusivamente pela Administração Central, com uma intervenção praticamente nula dos municípios e suas associações, os quais, como referimos, apenas foram «ouvidos» ou «auscultados» nesse processo sem que se perceba, sequer, qual o grau de influência que tal auscultação teve no «produto» final que foi o PRR enviado para aprovação pela Comissão Europeia.

3.2. O papel dos municípios na execução dos investimento previstos no PRR

Resta aferir se o PRR tem, e com que dimensão, investimentos diretamente vocacionados para a Administração local, concretamente para os municípios.

Considerando as várias componentes previstas para cada dimensão –que se relacionam diretamente com as atribuições municipais, designadamente aquelas que os municípios foram chamados a assumir no âmbito do processo de descentralização administrativa levado a cabo desde 2018 e antes referidos– pareceria, a uma primeira vista, que os municípios vão desempenhar um papel importante na execução das reformas e portanto, na execução do PRR.

Isto mesmo foi afirmado pela Ministra da Coesão Territorial (informação que consta da própria página do Governo47), durante uma audição da Comissão de Administração Pública, Modernização Administrativa, Descentralização e Poder Local. Segundo este membro do Governo, os municípios vão desempenhar um papel essencial na execução do PRR afirmando ainda que a descentralização de competências promove a autonomia dos municípios na execução de verbas em áreas como a saúde. Segundo a referida Ministra, «Todos os investimentos que estão previstos no Plano de Recuperação e Resiliência na área da saúde vão ser feitos pelos municípios, porque o que lá está previsto são centros de saúde, unidades de cuidados continuados, Instituições Particulares de Solidariedade Social ou viaturas móveis de cuidados de saúde».

Curiosamente, uma leitura atenta dos vários investimentos previstos para cada uma das componentes não permite retirar esta conclusão. Pelo contrário, o que se retira é que os apoios diretos são essencialmente destinados à Administração Central, excluindo-se flagrantemente os municípios em áreas como a eficiência energética dos edifícios públicos, na digitalização e melhoria dos sistemas de informação, nas infraestruturas digitais, etc.

Veja-se o que prevê o PRR na componente Saúde (dimensão Resiliência), precisamente o exemplo dado pela Senhora Ministrada da Coesão Territorial.

Os investimentos previstos são: (i) Cuidados de Saúde Primários com mais respostas (466 M€); (ii) Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados e Rede Nacional de Cuidados Paliativos (205 M€)48; (iii) Conclusão da Reforma da Saúde Mental e implementação da Estratégia para as Demências (88 M€); (iv) Equipamento dos Hospitais Seixal, Sintra, Lisboa (180 M€); (v) fortalecimento do Serviço Regional de Saúde da Região Autónoma da Madeira (89 M€), (vi) Digitalização na área da Saúde na Madeira (15M€) e (vii) Hospital Digital da Região Autónoma dos Açores (30 M€). Nenhum destes investimento tem como destinatários (em termos de concretização das reformas) os municípios.

No que concerne à eficiência energética em edifícios da administração pública (dimensão da Transição Climática), apenas estão contemplados investimentos em edifícios da Administração central (240 M€), o que é totalmente incompreensível.

Na componente mobilidade sustentável (dimensão da Transição Climática), os municípios estão praticamente afastados dos investimentos previstos e que são: (i) a expansão da Rede de Metro de Lisboa – Linha Vermelha até Alcântara (304 M€); (ii) o Metro Ligeiro de Superfície Odivelas-Loures (250 M€) –estes dois investimentos são da responsabilidade do Metropolitano de Lisboa, EPE–; (iii) a Expansão da Rede de Metro do Porto − Casa da Música-Santo Ovídio (299 M€) e (iv) Linha BRT Boavista –Império (66 M€)– investimentos da responsabilidade da Metro do Porto, S.A.

Poderão os restantes municípios (que não Lisboa e Porto) eventualmente vir a beneficiar do investimento Descarbonização dos Transportes Públicos (48 M€), pretendendo-se, com este investimento, a conduzir pelo Fundo Ambiental, promover o lançamento de um programa de apoio à aquisição de autocarros limpos afetos ao transporte público rodoviário e respetivos postos de carregamento/abastecimento, ficando a cargo dos operadores de transporte público (que podem ser os próprios municípios) os procedimentos inerentes à aquisição desses veículos.

No que concerne aos investimentos em Infraestruturas críticas digitais eficientes, seguras e partilhadas (83 M€)49, o investimento é destinado, uma vez mais, para a Administração central. Com efeito, este investimento vai ser utilizado para: intervencionar a Rede Informática do Governo tornando-a mais resiliente e mais digital; melhorar a cobertura e capacidade da Rede de Comunicações de Emergência do Estado em Portugal Continental, na redundância geográfica dos Centros de Comutação (MSO) e de transmissão entre as Estações Base rádio em Portugal Continental e ainda na redundância da Rede nas Regiões Autónomas dos Açores e Madeira; renovar a arquitetura dos sistemas de informação e processos associados à gestão e controlo de fronteiras, cooperação policial e judiciária e asilo, permitindo reduzir a carga burocrática dos serviços do SEF; eliminar as redundâncias dos processos técnicos burocráticos das Forças e Serviços de Segurança (FSS), na perspetiva de criar sistemas comuns em contextos voláteis e que permitam disponibilizar elementos policiais para funções operacionais, potenciando a redução de custos de funcionamento através do aproveitamento de soluções e capacidades de uso comum, da redução de esforço administrativo promovida pela uniformização e da integração e automatização de processos.

Num número tão elevado de investimentos, aqueles que potencialmente podem ser aproveitados mais diretamente pelos municípios são, efetivamente, muito poucos, embora tenham uma dimensão ainda relevante.

É o caso de alguns investimentos na área da habitação.

Veja-se, desde logo, os investimentos destinados ao Programa de Apoio ao Acesso à Habitação – 1º direito (no valor de 1.211 M€): a materialização do apoio financeiro decorre do papel imprescindível reco­nhecido às autarquias locais, que devem elaborar e apresentar uma Estratégia Local de Habitação, ainda que dependente do Instituto de Habitação e de Reabilitação Urbana, I.P (IHRU), a quem cabe enquadrar e programar todos os investimentos a apoiar em cada território50.

Veja-se, igualmente o investimento Parque público de habitação a custos acessíveis (empréstimo 775 M€), destinado a financiar a construção e a reabilitação para disponibilização do património público devoluto, com aptidão habitacional, para promoção de arrendamento a preços acessíveis, limitando a adesão do programa às famílias que efetivamente não encontram respostas no mercado tradicional por incompatibilidade entre os seus rendimentos e os valores de renda praticados51. Com este investimento pretende-se promover a reabilitação de 75 % do património inscrito no Decreto-Lei n.º 82/2020, de 2 de outubro, orientado para a criação de um parque habitacional público a preços acessíveis e salvaguardar o investimento na promoção de rendas acessíveis através de programas municipais. A operacionalização destes investimentos será também coordenada pelo IHRU, em estreita colaboração com os municípios no que respeita aos programas municipais de promoção de rendas acessíveis.

O PRR não é, porém claro quanto aos critérios de distribuição destes investimentos pelos vários municípios. Se é certo, por exemplo, que o acesso ao financiamento destinado ao Programa 1.º direito exige a elaboração, pelos municípios, de uma ELH, não se define se todos os municípios que a tenham terão acesso a financiamento e em que medida.

No que concerne à Componente 8 –florestas (dimensão Resiliência)–, grande parte dos investimentos é, igualmente, orientada para a Administração Central. Assim, os 19 Programas de Reordenamento e Gestão da Paisagem (PRGP) nos territórios delimitados como vulneráveis que estão previstos serem financiados, são programas da responsabilidade do Estado (programas setoriais); os investimentos destinados aos meios de prevenção e combate a incêndios rurais (89 M€) –aquisição de helicópteros ligeiros e médios; aquisição de veículos, máquinas, alfaias e equipamentos; aquisição e instalação de dois radares de dupla polarização, com sistema de computação e sistema de arquivos, instalação de detetores de trovoadas e estação meteorológica automática– são também essencialmente destinados à Administração Central.

Já a previsão de financiamento para constituir 60 Áreas Integradas de Gestão da Paisagem (AIGP) pode ser aproveitada pelos municípios, uma vez que estas áreas podem ser promovidas por estas entidades territoriais52.

Do mesmo modo, a Componente 7 – infraestruturas integra um conjunto importante de investimentos, mas apenas alguns deles são diretamente orientados para os municípios. É o caso, a título de exemplo, dos investimentos dirigidos para Áreas de Acolhimento Empresarial (110 M€). Segundo o PRR, a seleção das AAE a financiar será efetuada por processo de concurso, através das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional.

Segundo informação recente, os municípios de Chaves, Melgaço, Vila Real, Águeda, Guarda, Oliveira do Hospital, Rio Maior, Campo Maior, Beja e Lagos vão, ao abrigo deste apoio, e na sequência da sua seleção pelas respetivas CCDRs, modernizar zonas industriais e áreas empresariais já existentes nos seus territórios.

CONCLUSÃO

O PRR é, sem margem para dúvidas, um importante instrumento que permite atenuar os impactos económicos e sociais negativos provocados pela pandemia.

Uma análise atenta de cada uma das suas dimensões (três) –concretizadas através de 19 Componentes que, por sua vez integram 36 Reformas e 77 Investimentos–, permite concluir pelo seu claro alinhamento com as atribuições próprias dos municípios, podendo afirmar-se, de um modo geral, que se trata de um documento que abarca algumas das principais preocupações destas entidades locais, recuperando prioridades fundamentais para o país que têm vindo a ser desvalorizadas e negligenciadas em termos de financiamento.

Sem prejuízo deste facto constatamos que o PRR, rumando contra o processo de descentralização administrativa em curso em Portugal e contra o objetivo estratégico de aumentar do peso da Administração Local nas receitas públicas, é centralizado, tanto nas prioridades de intervenção selecionadas quanto na sua gestão, o que não é de todo aceitável considerando o relevo administrativo e político que os municípios assumem na ordem jurídica Portuguesa. Assim, por um lado, os apoios diretos do PRR são essencialmente destinados à Administração Central, excluindo-se flagrantemente os municípios em áreas relevantes (como é o caso da eficiência energética dos edifícios públicos, da digitalização e da melhoria dos sistemas de informação nas infraestruturas digitais); por outro lado, algumas das principais áreas de intervenção municipal estão ausentes, sendo o PRR praticamente omisso em temas essenciais aos municípios, como o abastecimento de água, saneamento e resíduos; os transportes públicos promovidos pelas autarquias etc.

Num número tão elevado de investimentos, aqueles que potencialmente podem ser aproveitados mais diretamente pelos municípios são, efetivamente, poucos, ainda que, mesmo assim, assumam uma dimensão, em termos de valor, muito relevante. É o caso dos investimentos na área da habitação (que pela primeira vez surge como elegível para financiamento por fundos europeus), na área das florestas ou na área das infraestruturas (como os financiamentos dirigidos a modernizar zonas industriais e áreas empresariais já existentes nos seus territórios).

Assim, sem prejuízo das críticas que possam ser apontadas ao PRR, ele apresenta-se como um importante instrumento de financiamento a que os municípios devem recorrer para darem respostas cada vez mais adequadas às necessidades de aspirações das respetivas populações.

ANEXO. DIMENSÕES/COMPONENTES/REFORMAS E INVESTIMENTOS DO PRR

Dimensão Resiliência

C1. Saúde

Reforçar a capacidade do Serviço Nacional de Saúde.

REFORMAS

INVESTIMENTOS

C2. Habitação

Relançar e reorientar a política de habitação e dar resposta às carências estruturais permanentes ou temporárias.

REFORMAS

INVESTIMENTOS

C3. Respostas Sociais

Reforçar, requalificar e inovar as respostas sociais dirigidas às crianças, pessoas idosas, pessoas com deficiência ou incapacidade e famílias.

REFORMAS

INVESTIMENTOS

C4. Cultura

Valorização do património cultural enquanto fator de identidade, coesão social, conhecimento, desenvolvimento, educação, turismo e economia.

INVESTIMENTOS

C5. Capitalização e Inovação Empresarial

Aumentar a competitividade e a resiliência da economia portuguesa com base em I&D, inovação, diversificação e especialização da estrutura produtiva.

REFORMAS

INVESTIMENTOS

C6. Qualificações e Competências

Aumentar a capacidade de resposta do sistema educativo e formativo, combater as desigualdades sociais e de género, aumentar a resiliência do emprego.

REFORMAS

INVESTIMENTOS

C7. Infraestruturas

Reforçar a resiliência e a coesão territorial, aumentar a competitividade do tecido produtivo e contribuir para a redução dos custos de contexto.

C8. Florestas

Desenvolver uma resposta estrutural na prevenção e combate de incêndios rurais com impacto ao nível da resiliência, sustentabilidade e coesão territorial.

REFORMAS

INVESTIMENTOS

C9. Gestão Hídrica

Mitigar a escassez hídrica e assegurar a resiliência dos territórios do Algarve, Alentejo e Madeira aos episódios de seca.

REFORMAS

Dimensão transição Climática

C10. Mar

Desenvolver uma economia do mar mais competitiva, mais empregadora, mais coesa, mais inclusiva, mais digital e mais sustentável.

REFORMAS

TC-r23: Reforma do Ecossistema de Infraestruturas de Suporte à Economia Azul.

INVESTIMENTOS

C11. Desarborização da Indústria

Descarbonização do setor industrial e mudança de paradigma na utilização dos recursos, para acelerar a transição para a neutralidade carbónica.

REFORMAS

INVESTIMENTOS

C12. Bioconomia Sustentável

Acelerar a produção de alto valor acrescentado a partir de recursos biológicos, promover a transição climática e o uso sustentável e eficiente de recursos.

REFORMAS

INVESTIMENTOS

C13. Eficiência Energética em Edifícios

Reabilitação e eficiência energética, Transição energética e climática, Criação de emprego e Resiliência nacional e social.

REFORMAS

INVESTIMENTOS

C14. Hidrogénio e Renováveis

Promover a transição energética através do apoio às energias renováveis, com enfoque na produção de hidrogénio e de outros gases de origem renovável.

REFORMAS

INVESTIMENTOS

C15. Mobilidade Sustentável

Assegurar o desenvolvimento de projetos com forte contributo para a melhoria dos sistemas de transporte coletivo.

REFORMAS

INVESTIMENTOS

A Dimensão Transição Digital

C16. Empresas 4.0

Reforçar a digitalização das empresas e recuperar o atraso face ao processo de transição digital.

REFORMAS

INVESTIMENTOS

C17. Qualidade e Sustentabilidade das Finanças Públicas

Aumentar a transparência na utilização dos recursos públicos, Promover uma gestão integrada do património público e Melhorar a atuação da segurança social.

REFORMAS

INVESTIMENTOS

C18. Justiça Económica e Ambiente de Negócios

Reduzir a carga administrativa e regulamentar sobre as empresas, através da redução de obstáculos setoriais ao licenciamento e Aumentar a eficiência dos tribunais administrativos e fiscais.

REFORMAS

INVESTIMENTOS

C19. Administração Pública Mais Eficiente – Capacitação, Digitalização e Interoperabilidade e Cibersegurança

Melhorar a relação dos serviços públicos com os cidadãos e as empresas, Otimizar a gestão e Libertar recursos para a promoção do investimento público.

REFORMAS

INVESTIMENTOS

C20. Escola Digital

Inovação educativa e pedagógica, Desenvolvimento de competências em tecnologias digitais, Modernização do sistema educativo.

REFORMAS

INVESTIMENTOS

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1 Este artigo foi elaborado com a colaboração de Carlos José Batalhão, advogado, especialista em Direito Administrativo.

2 O Next Generation EU faz parte do Plano para a Recuperação da Europa, no valor total de 1.835 mil de euros que, além dele, integra outro instrumento: o Quadro Financeiro Plurianual, para o período 2021-2027, no valor de 1.074,3 mil milhões de euros.

A União Europeia lançou ainda outros programas de apoio à economia que funcionam de forma paralela ao Plano para a Recuperação da Europa. É o caso, a título de exemplo: i) do Programa SURE, que prevê um apoio de 100 mil milhões de euros para o período 2020-2022, destinado ao apoio temporário para atenuar os riscos de desemprego numa situação de emergência; ii) da Reserva de Ajustamento ao Brexit, que disponibiliza 5 mil milhões de euros para o período 2021-2024 para apoiar os países da UE a fazer face aos efeitos imediatos do Brexit; iii) do Fundo de Garantia Pan-Europeu, criado pelo Banco Europeu de Investimento, que prevê um apoio de 25 mil milhões de euros para o período 2020-2021 destinado a empresas europeias em dificuldade, sobretudo Pequenas e Médias Empresas; iv) do Programa de Compras de Emergência Pandémica do Banco Central Europeu, que afetou 1.850 mil milhões de euros para o período 2020-2022 destinado a apoio à liquidez do mercado de títulos e do mercado de operações.

Sobre estes vários programas cfr., Nuno Cunha Rodrigues e Nuno A. Proença (2022, 83 e ss.).

3 Sobre estes artigos da Constituição cfr. Anotações J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (2014, p. 805 e ss.).

5 Este princípio deve ser interpretado no sentido de maior proximidade dos cidadãos no âmbito da separação vertical dos poderes, como refere António Cândido de Oliveira (2014, p. 80).

7 Jorge Miranda (2013, p. 21). Sobre a garantia constitucional das autarquias locais, ver J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (2014, pp. 715 e ss.).

8 João Baptista Machado (1992, p. 60). Enfatizando o sentido etimológico da palavra «autonomia», cfr. Marcello Caetano (2003, pp. 69 e 70).

10 Relativamente à individualização dos interesses próprios, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (2014, p. 717).

11 Sobre o princípio da Autonomia das autarquias locais dentro da organização do Estado, consagrado no artigo 6.º da CRP, ver Maria José Castanheira Neves (2004, pp. 9 e ss.); José de Melo Alexandrino (2010, pp. 77 ss.); e Carlos José Batalhão (2016, pp. 27 e ss.).

12 Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 28/90, de 23 de outubro, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 58/90, de 23 de outubro, e por isso vigente na nossa ordem jurídica por força do artigo 8.º, n.º 2, da CRP. Lembrando Carlos José Batalhão, «A Carta Europeia de Autonomia Local (CEAL) é, no que se refere à democracia local, um dos principais instrumentos jurídicos internacionais, onde o Conselho da Europa afirma e reconhece a autonomia local como um dos pilares da democracia que tem por missão defender e desenvolver.», em (2016) A CEAL e sua transposição para o ordenamento português..., Carlos José Batalhão (2016, pp. 31).

14 Sobre a difícil tarefa de determinação do conceito de «autonomia local» e a sua garantia constitucional (défice de proteção), ver José de Melo Alexandrino (2009, p. 12 e ss.).

16 Ver, por exemplo, o Acórdão n.º 379/96.

18 Artur Maurício (2004, pp. 656-657); e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 494/2015.

19 António Cândido de Oliveira (2014, pp. 92 e 93); e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 494/2015.

20 Organização administrativa entendida em sentido restrito, como o conjunto de entidades com natureza jurídico pública, que exercem a título principal a função administrativa. Cfr. Isabel Celeste Monteiro da Fonseca (2012, p. 59).

22 Apesar da previsão constitucional de três categorias de Autarquias Locais, apenas as freguesias e os municípios se encontram instituídos, continuando por instituir as regiões administrativas, numa inconstitucionalidade por omissão que teima em continuar.

24 Que implica a transferência de poderes decisórios para outros entes que não o Estado.

26 A expressão pertence a Francisco Sosa Wagner (2005, p. 57).

27 Acompanhamos os doutos ensinamentos de António Cândido de Oliveira (2014, pp. 88 e ss.). Não obstante, cremos, com José de Melo Alexandrino (2009, pp. 13 e 14), que na doutrina existem algumas divergências quanto ao sentido de poder local: Gomes Canotilho, Jorge Miranda e Cândido de Oliveira, dão-lhe um sentido político; já Freitas do Amaral encara-o como mera expressão do grau de autonomia administrativa e financeira efetivamente alcançado pelas autarquias; Sérvulo Correia, encara-o como expressão de faculdades originárias de auto organização e auto administração.

28 E, ainda, aprova o estatuto das entidades intermunicipais, estabelece o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprova o regime jurídico do associativismo autárquico.

29 Quanto aos índices ou critérios para a identificação de interesses locais, José de Melo Alexandrino (2010, pp. 127 ss.).

31 A Lei prevê igualmente novas competências dos órgãos das freguesias.

32 Estes diplomas são conhecidos vulgarmente como «Pacote de Descentralização».

33 Que se foi concretizando de forma distinta e gradual no território português, pois a sua assunção pelos municípios esteve sujeita a uma calendarização e a um processo de aceitação das competências (ao abrigo do previsto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 4.º da Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto), que apenas se tornou obrigatório a partir de 1 de janeiro de 2021, com exceção dos domínios da educação, saúde e ação social. No caso concreto das competências transferidas no domínio da educação e da saúde, a opção dos municípios pelo não exercício das respetivas competências foi ainda possível durante o ano de 2021, mas serão definitivamente transferidas até 31 de março de 2022, o que acontecerá também no âmbito da ação social.

34 Refira-se que há igualmente um conjunto de competências transferidas para as entidades intermunicipais, também em vários domínios, como justiça, promoção turística, gestão de projetos financiados com fundos europeus e de programas de captação de investimento.

35 O que implicou, ainda, a publicação de um conjunto de Portarias.

36 No domínio das vias de comunicação.

37 No domínio do transporte turístico de passageiros e do serviço público de transporte de passageiros regular em vias navegáveis interiores.

38 Revogado pela Resolução da Assembleia da República n.º 138/2019, de 8 de agosto, que fez cessar a vigência daquele decreto-lei.

39 Que alterou e republicou o Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de novembro, que estabelece o regime jurídico da segurança contra incêndio em edifícios.

40 Em relação a este pilar, o MRR determina que os investimentos em tecnologias digitais deverão respeitar os princípios da interoperabilidade, da eficiência energética e da proteção dos dados pessoais, permitir a participação de PME e de empresas em fase de arranque e promover a utilização de soluções de fonte aberta.

41 O desenvolvimento de cada uma das dimensões estruturantes pode ser consultado em https://recuperarportugal.gov.pt/, estando identificado numa lista em anexo a este texto.

42 A primeira dimensão –resiliência– irá absorver 61 % das subvenções do PRR, no valor de 11.125 milhões de €. À segunda –transição climática– foi distribuída uma percentagem de 21 % das subvenções –3.059 milhões de €– e à terceiro –Transição Digital– 18 % do montante global, no valor 2.460 milhões de €.

44 Foram realizadas 11 sessões temáticas: Seminário de debate sobre Florestas (com a participação do Ministro do Ambiente e da Ação Climática); Seminário de debate sobre Combate à Pobreza e Novas Respostas Sociais (com a participação da Ministra de Estado e da Presidência, e da Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social); Seminário de debate sobre SNS mais próximo e resiliente (com a participação da Ministra de Estado e da Presidência e da Ministra da Saúde); Seminário de debate sobre Habitação (com a participação da Ministra de Estado e da Presidência e do Ministro das Infraestruturas e Habitação); Seminário de debate sobre Qualificações, com a participação da Ministra de Estado e da Presidência e da Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social); Seminário de debate sobre Transição Digital (com a participação do Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital); Seminário de debate sobre Recursos Hídricos, com a participação do Ministro do Ambiente e da Ação Climática); Seminário de debate sobre Clima, Energia e Mobilidade (com a participação do Ministro do Ambiente e da Ação Climática); Seminário de debate sobre Bioeconomia (com a participação do Ministro do Ambiente e da Ação Climática); Seminário de debate sobre Infraestruturas (com a participação do Ministro das Infraestruturas e Habitação e da Ministra da Coesão Territorial); Seminário de debate sobre Indústria e Inovação (com a participação do Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital.

45 Sobre este modelo de governação cfr. Nuno Cunha Rodrigues e Nuno A. Proença (2022, pp. 69 e ss.).

46 Nos termos do regulamento de funcionamento da Comissão Nacional de Acompanhamento, esta subdivide-se em 5 comissões especializadas –Social, Economia e Empresas, Digital, Clima e Energia, e Território– estando a ANMP representada nas últimas três.

48 O programa de financiamento que concretiza estes dois investimento é coordenado a nível nacional pela Administração central do Sistema de Saúde, I.P, competindo às Administrações Regionais de Saúde, I.P (ARS) executar todos os procedimentos de seleção, acompanhamento e financiamento definidos no regulamento da atribuição de apoios financeiros pelas ARS (requisitos das entidades candidatas, projetos elegíveis, limite de financiamento de projetos, elegibilidade de despesas, limite de elegibilidade de despesas, critérios e prazo para apresentação, apreciação e seleção das candidaturas, entre outros).

49 Referimo-nos ao investimento integrado na componente 19, Administração Pública Mais Eficiente – Capacitação, Digitalização e Interoperabilidade e Cibersegurança (da Dimensão Transição Digital).

50 Como é sabido, o Programa de Apoio ao Acesso à Habitação – 1.º direito está previsto no programa governamental Nova Geração de Políticas de Habitação (NGPH) aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 50-A/2018, de 2 de maio. Decorre da NGPH, entre outras, a exigência de que as entidades públicas, em particular os municípios em face do processo de transferência de atribuições, se comprometa em definitivo com a política habitacional, promovendo, entre muitas outras medidas, o uso efetivo de habitações devolutas de propriedade pública ou a elaboração de estratégias municipais de habitação que possam, através de recurso facilitado a financiamento, reverter situações de habitação precária e sem qualidade.

Dentro da NGPH, o Programa de Apoio ao Acesso à Habitação – 1º direito destina-se a dar resposta às famílias que vivem em situação de grave carência habitacional. A aplicação deste programa a cada município depende da elaboração de Estratégias Locais de Habitação, que incluem a elaboração de um diagnóstico das carências habitacionais do concelho e identificam as soluções habitacionais a desenvolver para suprir as carências identificadas.

51 Trata-se de mais um programa integrado na NGPH –o Programa de Arrendamento Acessível–, destinado a garantir o acesso à habitação a todos os que não têm resposta por via do mercado.

52 Trata-se de áreas que visam uma abordagem territorial integrada para dar resposta à necessidade de ordenamento e gestão da paisagem e de aumento de área florestal gerida a uma escala que promova a resistência aos incêndios, a valorização do capital natural e a promoção da economia rural.

Nestas áreas serão criadas as condições necessárias para o desenvolvimento de Operações Integradas de Gestão da Paisagem (OIGP), a executar num modelo de gestão agrupada da responsabilidade de uma entidade gestora e suportada por um programa multifundos de longo prazo que disponibiliza apoios ao investimento inicial, às ações de manutenção e gestão ao longo do tempo e à remuneração dos serviços dos ecossistemas.